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COMPETÊNCIA NO ENSINO DE JOVENS FUTEBOLÍSTAS
COMPETÊNCIA NO ENSINO DE JOVENS FUTEBOLÍSTAS

    O Futebol ocupa um lugar importante no contexto desportivo contemporâneo, dado que, na sua expressão multitudinária, não é apenas um espectáculo desportivo, mas também um meio de educação física e desportiva e um campo de aplicação da ciência.

    No decurso da sua existência, esta modalidade tem sido ensinada, treinada e investigada, à luz de diferentes perspectivas, as quais deixam perceber concepções diversas a propósito do conteúdo do jogo e das características que o ensino e o treino devem assumir, na procura da eficácia.


Futebol: um jogo de oposição, um jogo táctico

    O Futebol pertence a um grupo de modalidades com características próprias e comuns, habitualmente designadas por jogos desportivos colectivos (JDC). Sem diminuir a importância das restantes características, é a relação de oposição entre os elementos das duas equipas em confronto e a relação de cooperação entre os elementos da mesma equipa, ocorridas num contexto aleatório, que traduzem a essência do jogo de Futebol (Garganta, 2001).

    O problema fundamental pode ser enunciado da seguinte forma (Gréhaigne & Guillon, 1992): numa situação de oposição, os jogadores devem coordenar as acções com a finalidade de recuperar, conservar e fazer progredir o móbil do jogo (bola), tendo como objectivo criar situações de finalização e marcar golo ou ponto.

    Se observarmos um jogo de Futebol minimamente organizado, mesmo que ambas as equipas em confronto não se distingam pela cor ou padrão do equipamento, é possível, passado algum tempo, identificar os elementos constituintes de cada uma delas. Esta possibilidade resulta do facto de que a referida relação de oposição/cooperação, para ser sustentável e eficaz, reclama dos jogadores comportamentos congruentes com as sucessivas situações do jogo, de acordo com os respectivos objectivos de sinal contrário de cada uma das equipas.

    Face ao jogo, o problema primeiro é de natureza táctica, isto é, o praticante deve saber o que fazer, para poder resolver o problema subsequente, o como fazer, seleccionando e utilizando a resposta motora mais adequada. Tal exige, então, que os praticantes possuam uma adequada capacidade de decisão, que decorre duma ajustada leitura do jogo, para poderem materializar a acção através de recursos motores específicos, genericamente designados por técnica.


A técnica da táctica

    O vocábulo técnica, comummente utilizado em distintas actividades humanas, é entendido como o conjunto de processos bem definidos e transmissíveis que se destinam à produção de certos resultados. No Futebol, as técnicas constituem acções motoras especializadas que permitem resolver as tarefas do jogo (Garganta, 1997).

    Durante muito tempo, a técnica foi considerada o elemento fundamental e básico na configuração e desenvolvimento da acção de jogo nos desportos de equipa (Hernandez-Moreno, 1994). Uma das consequências mais evidentes deste facto, tem sido a obsessão pelos aspectos do ensino/aprendizagem centrados na técnica individual (Bonnet, 1983), partindo-se do princípio que a soma de todos os desempenhos individuais provoca um apuro qualitativo da equipa e também que o gesto técnico aprendido duma forma analítica possibilita uma aplicação eficaz nas situações de jogo.

    Desde os anos 60 que a didáctica dos jogos desportivos repousa numa análise formal e mecanicista. Os processos de ensino e treino têm consistido em fazer adquirir aos praticantes sucessões de gestos técnicos, empregando-se muito tempo no ensino da técnica e muito pouco ou nenhum no ensino do jogo propriamente dito (Gréhaigne & Guillon, 1992). Nos tempos actuais, uma sessão de ensino/treino do Futebol segue este modelo: 1ª parte: aquecimento com ou sem bola (habitualmente sem bola); 2ª parte: corpo principal da sessão, onde são abordados os gestos específicos da actividade considerada, através de situações simplificadas, com ou sem oposição; 3ª parte: em função do tempo disponível, recorre-se a formas jogadas (jogos reduzidos ou jogo formal).

    Frequentemente é privilegiada a dimensão eficiência (forma de realização) da habilidade, independentemente das dimensões eficácia (finalidade) e adaptação, isto é, do ajustamento das soluções e respostas ao contexto (Rink, 1985; Graça, 1994). Ora, a concepção que privilegia a desmontagem e remontagem dos gestos técnicos elementares e o seu transfere para as situações de jogo, não deve constituir mais do que uma das vias possíveis no ensino do Futebol, dado que nesta perspectiva se ensina o modo de fazer (técnica) separado das razões de fazer (táctica). Aliás, Bunker & Thorpe (1982) constataram que quando a técnica é abordada através de situações que ocorrem à margem dos requisitos tácticos, ela adquire um transfere diminuto para o jogo.

    A verdadeira dimensão da técnica repousa na sua utilidade para servir a inteligência e a capacidade de decisão táctica dos jogadores e das equipas. Um bom executante é, antes de mais, aquele que é capaz de seleccionar as técnicas mais adequadas para responder às sucessivas configurações do jogo. Por isso, o ensino e o treino da técnica no Futebol, não devem restringir-se aos aspectos biomecânicos, mas atender sobretudo às imposições da sua adaptação inteligente às situações de jogo. Nesta perspectiva, afigura-se mais importante saber gerir regras de funcionamento, ou princípios de acção, do que utilizar técnicas esteriotipadas ou esquemas tácticos rígidos e pré-determinados (Garganta, 2001).

    Face à cadeia acontecimental experimentada por um jogador nas situações de jogo (Figura 1), justifica-se a definição de modelos tácticos que funcionem como complexos de referências que orientem a construção de situações/exercícios nos processos de ensino e treino. 

 

Figura 1 - Cadeia acontecimental do comportamento táctico-técnico 
do jogador no jogo (adap. Bunker & Thorpe, 1982).


A táctica da táctica

    A aprendizagem dos procedimentos técnicos constitui apenas uma parte dos pressupostos necessários para que, em situação de jogo, os praticantes sejam capazes de resolver os problemas que o contexto específico lhes coloca. Desde os primeiros momentos da aprendizagem, importa que os praticantes assimilem um conjunto de princípios que vão do modo como cada um se relaciona com o móbil do jogo (bola), até à forma de comunicar com os colegas e contra-comunicar com os adversários, passando pela noção de ocupação racional do espaço de jogo (Garganta & Pinto, 1994).

    O desenvolvimento da capacidade para jogar implica um desenvolvimento de "saberes".

    Saber o que fazer, o que se prende com um conhecimento factual ou declarativo, que pode ser exprimido através de enunciados linguísticos; saber executar, isto é, possuir um conhecimento processual que decorre da acção propriamente dita (Anderson, 1976; Chi & Glasser, 1980; Maggil, 1993).

    Malglaive (1990) e Gréhaigne & Godbout (1995), sustentam que o sistema de conhecimento, nos desportos colectivos, decorre de regras de acção, regras de organização e capacidades motoras (Figura 2). 

 

Figura 2 - Conteúdos do conhecimento em desportos colectivos 
(adap. Gréhaigne & Godbout, 1995).

    As regras de acção são orientações básicas acerca do conhecimento táctico do jogo, que definem as condições a respeitar e os elementos a ter em conta para que a acção seja eficaz (Gréhaigne & Guillon, 1991). As regras de organização do jogo, estão relacionadas com a lógica da actividade, nomeadamente com a dimensão da área de jogo, com a repartição dos jogadores no terreno, com a distribuição de papéis e alguns preceitos simples de organização que podem permitir a elaboração de estratégias. As capacidades motoras, englobam a actividade perceptiva e decisional do jogador, bem como os aspectos da execução motora propriamente dita.


O ensino e treino do Futebol

    É ao nível da natureza dos constrangimentos da tarefa (dificuldade, obstáculo ou problema) e dos tipos de empenhamento do sujeito (atenção, esforço físico, compreensão/raciocínio) que as várias pedagogias diferem (Courtay et al., 1990).

    As pedagogias tradicionais têm privilegiado: (1) a explicação associada à demonstração, em que o professor prescreve, a todo o momento, os procedimentos a respeitar para realizar a tarefa; (2) o condicionamento do meio, em que se pretende reduzir os ensaios e os erros.

    Actualmente, os especialistas defendem a utilização duma pedagogia de situações-problema, a qual representa um prolongamento lógico dos modelos de acção motora inspirados nas ciências cognitivas e nos modelos sistémicos. Assim, pode dizer-se que se assiste a uma transição dos modelos analíticos para modelos sistémicos, no qual os pressupostos cognitivos do praticante e a equipa são elementos fundamentais.

    Nesta linha, torna-se importante identificar os traços que constituem indicadores de qualidade neste grupo de desportos (Rink et al., 1996):

Ao nível cognitivo

  • conhecimento declarativo e processual organizado e estruturado
  • processo de captação da informação eficiente
  • processo decisional rápido e preciso
  • rápido e preciso reconhecimento dos padrões de jogo (sinais pertinentes)
  • superior conhecimento táctico
  • elevada capacidade de antecipação dos eventos do jogo e das respostas do oponente
  • superior conhecimento das probabilidades situacionais (evolução do jogo)

Ao nível da execução motora

  • elevada taxa de sucesso na execução das técnicas durante o jogo
  • elevada consistência e adaptabilidade nos padrões de movimento
  • movimentos automatizados, executados com superior economia de esforço
  • superior capacidade de detecção dos erros e de correcção da execução


Referências fundamentais para o ensino do Futebol

(1) Condicionantes estruturais e funcionais

    Se compararmos o Futebol, no plano estrutural, com outros denominados grandes jogos desportivos colectivos (Andebol, Basquetebol e Voleibol), constatamos algumas diferenças extensivas ao plano funcional, que nos permitem retirar ilações importantes para a orientação do processo de ensino/treino deste jogo (Garganta & Pinto, 1994):

  • Dimensão do terreno de jogo e número de jogadores

    Quanto maior fôr o espaço de jogo mais elevada terá de ser capacidade para o cobrir, mental e fisicamente.

    Sabe-se que um campo de Futebol de onze é um espaço muito grande, correspondendo aproximadamente à superfície de 10 campos de Andebol, 20 campos de Basquetebol e 50 campos de

    Voleibol (Bauer & Ueberle, 1988). Para além disso, o número de jogadores a referenciar num jogo, condiciona a complexidade inerente à percepção das situações (leitura do jogo).

    O desenvolvimento da progressiva extensão do campo perceptivo (da visão centrada na bola…à visão centrada no jogo) é um dos aspectos mais importantes a que se deve atender na formação, na medida em que o jogo de Futebol reclama uma atitude táctica permanente. Quando na posse da bola, o jogador deverá ter um controlo cinestésico sobre a execução do movimento, para poder utilizar a visão nas funções de leitura do jogo (jogar de cabeça levantada).

    Esta é uma das muitas razões pelas quais se torna aconselhável que, nas fases iniciais quando o praticante tem dificuldade em controlar a bola, o jogo seja aprendido num espaço mais reduzido e com um menor número de jogadores (7 ou 5, p. ex.). Neste contexto teoricamente menos complexo, o principiante tem mais e melhor acesso à progressiva compreensão das linhas de força do jogo e bem assim a um melhor entendimento e cumprimento dos princípios e regras de gestão do jogo.

  • Duração do jogo

    O jogador de Futebol deve estar capacitado para responder eficazmente às situações, agindo duma forma rápida e coordenada e repetindo essas acções ao longo o jogo.

    De notar, por exemplo, que, para equipas seniores, do tempo estabelecido para uma partida de Futebol de onze (90 minutos), o tempo de jogo efectivo é de apenas 50 minutos. Durante este tempo, cada equipa poderá estar na posse da bola, em média, 25 minutos e cada jogador entre 30 segundos (defesas centrais) e um máximo de 3 minutos (para os condutores de jogo). Durante todo o restante tempo os jogadores seleccionam informações, analisam-nas e tomam decisões (Bauer & Ueberle, 1988; Gréhaigne, 1992).

    Esta constatação implica que seja estabelecida uma relação entre a técnica e a táctica em favor desta e que se atribua uma grande importância ao jogo sem bola.

  • Controlo da bola

    O Futebol, o Andebol e o Basquetebol, são jogos de território comum e participação simultânea, em que existe luta directa pela posse da bola. No entanto, as possibilidades de assegurar o controlo da bola são teoricamente maiores para os jogadores de Andebol e de Basquetebol do que para os praticantes de Futebol. A utilização das mãos (no Andebol e no Basquetebol) permite agarrar a bola e assim melhor a proteger e controlar, bem como dar-lhe a direcção desejada.

     A aprendizagem do jogo de Futebol implica a construção da maestria da relação com a bola, em função das exigências tácticas do jogo. A limitação específica desta aprendizagem passa pela necessidade do praticante de Futebol ter que jogar a bola quase exclusivamente com os membros inferiores, estando estes simultaneamente implicados no equilíbrio do corpo e nos deslocamentos. Acresce o facto do jogo se desenvolver, predominantemente, num plano baixo, o que concorre para dificultar a disponibilização da visão para efectuar a "leitura do jogo".

    Neste contexto, quando um jogador erra frequentemente determinada resposta motora, torna-se importante identificar se tal decorre duma leitura deficiente da situação (mecanismo perceptivo e de decisão mental), ou se deriva da sua ineficiência técnica ou física para responder a tal situação.

  • Frequência de concretização

    Em equipas de jogadores confirmados, em média, no Andebol consegue-se um golo em cada dois minutos; nos jogos de Basquetebol e de Voleibol consegue-se concretizar pontos em cada minuto. A relação entre as acções de ataque e êxitos quantificáveis é aproximadamente nestas modalidades de 2 para 1, enquanto que no Futebol é apenas de 50 para 1.

    Esta circunstância permite que, não raramente no Futebol, equipas de nível inferior possam conseguir bons resultados frente a equipas de elevado nível, o que dificilmente acontece noutros desportos de equipa.

    Estas constatações não devem conduzir a uma diminuição da importância atribuida à finalização no ensino/treino do Futebol. Bem pelo contrário, dever-se-á propiciar a criação de um grande e variado número de ocasiões de finalização, quando não o praticante perde de vista o objectivo central do jogo (o golo) e centra a sua actuação ao nível do jogo de transição, provocando um desequilíbrio entre jogo indirecto e jogo directo.

  • Colocação dos alvos

    No Futebol, tal como no Andebol, e duma forma diversa do que acontece no Basquetebol e no Voleibol, a colocação dos alvos (balizas) na vertical, faz "variar" a sua largura aparente, em função da posição (ângulo) em que estão a ser visualizadas pelo jogador (Gréhaigne, 1992). Esta indicação reveste-se de grande importância na construção do pensamento táctico do principiante, na medida em que permite interiorizar as noções de conquista/defesa do eixo do terreno, de jogo directo e indirecto, e de abertura/fecho de ângulos de remate.

    No ensino e treino do Futebol afigura-se importante definir os traços estruturais e funcionais que traduzam a singularidade do jogo, no sentido de definir os seus conteúdos, melhor orientar a definição dos objectivos e adequar a selecção dos respectivos meios. De entre todos os aspectos, distinguimos dois que, pela sua natureza, condicionam duma forma importante a lógica do jogo e, portanto, o seu ensino e treino: o terreno de jogo e os princípios específicos do jogo.

  • Terreno de jogo

    Efectivamente, uma das referências fundamentais para o ensino do Futebol é o terreno de jogo. As suas marcações conferem ao jogo uma lógica e configuração particulares, condicionando os comportamentos dos jogadores. Para além das marcações regulamentares, assinaladas no terreno de jogo, existem outras referências importantes para que os jogadores nas diferentes fases (ataque e defesa), respondam aos imperativos do jogo, respeitando os princípios ofensivos e defensivos (Figura 3).

    Estas zonas ou áreas, não assinaladas fisicamente no terreno, podem ser perspectivadas: (a) longitudinalmente, ou à largura do terreno de jogo, sendo normalmente designadas por corredores (1 corredor central, situado no eixo baliza atacada-baliza defendida; 2 corredores periféricos ou laterais, contíguos ao corredor central, um do lado esquerdo outro do lado direito); (b) transversalmente, ou ao comprimento do terreno de jogo, sendo habitualmente designadas por sectores (defensivo, médio e ofensivo). 

 

Figura 3 - Divisão longitudinal e transversal do terreno de jogo.

  • Princípios do jogo

    Os princípios de jogo constituem um conjunto de normas que orientam o jogador na procura das soluções mais eficazes, nas diferentes situações de jogo, pelo que são também referenciais muito importantes para o ensino e treino do Futebol.

    No jogo de Futebol é possível identificar duas grandes fases, em cada uma das quais as equipas perseguem objectivos antagónicos: a fase de ataque, quando a equipa tem a posse da bola e procura criar situações de finalização e marcar golo; e a fase de defesa, quando a equipa não tem a posse da bola e tenta impedir a criação de situações de finalização e a marcação do golo, procurando apoderar-se dela.

    O êxito do ataque e da defesa exige uma coordenação precisa das acções dos jogadores, segundo princípios gerais e princípios específicos. A diferente interpretação e valorização das várias finalidades, quer do ataque quer da defesa, traduz-se em diferentes tipos de jogo.


(2) Modelação do jogo de Futebol

    Partindo da ideia de que o processo de ensino/aprendizagem deve pautar-se pela eficácia, isto é, pela capacidade de produzir os efeitos pretendidos, torna-se imprescindível a existência de referenciais que, para além de possibilitarem a definição dos objectivos, orientem a selecção dos meios e métodos mais adequados para os alcançar (Garganta, 1985).

    Nesta medida, o processo de ensino do Futebol deve reportar-se a um conjunto de princípios ou ideias (modelos), que expressam os aspectos a que se atribui maior importância e que se pretende ver cumpridos.

    Na medida em que as acções de jogo ocorrem em contextos de elevada variabilidade, imprevisibilidade e aleatoriedade, aos jogadores é requerida uma permanente atitude estratégico-táctica (Gréhaigne, 1989; Deleplace, 1994; Garganta, 1994; Mombaerts, 1996). Na construção de tal atitude, a selecção do número e qualidade das acções depende obviamente do conhecimento que o jogador tem do jogo. Quer isto dizer que a forma de actuação de um jogador está fortemente condicionada pelos seus modelos de explicação, ou seja, pelo modo como ele concebe e percebe o jogo. São esses modelos que orientam as respectivas decisões, condicionando a organização da percepção, a compreensão das informações e a resposta motora.

    Isto significa que a forma de um jogador entender o jogo e de nele se exprimir, depende de um fundo, ou de um metanível, que constitui aquilo que podemos designar por "modelo de jogo". As relações que o jogador estabelece entre este modelo e as situações que ocorrem no jogo, orientam as respectivas decisões, condicionando a organização da percepção, a compreensão das informações e a resposta motora (Garganta, 1997).

    Deste modo, a dimensão estratégico-táctica emerge como território que confere ou retira sentido às tarefas dos jogadores no decurso do jogo (Figura 4). 

 

Figura 4 - A dimensão estratégico-táctica enquanto território de sentido
das tarefas dos jogadores no decurso do jogo (Garganta, 1997).

    De entre os referenciais a ter em conta, os princípios do jogo mais evoluído e as características reveladas pelos praticantes assumem uma dimensão particularmente importante. Não se trata, obviamente, de copiar os modelos da prática de alto nível, mas tão só estabelecer a imprescindível ligação entre diferenciados níveis de jogo, salvaguardando as devidas proporções. Impõe-se, assim, que se identifiquem os problemas mais pertinentes do jogo elementar e os indicadores de qualidade do jogo de elevado nível, deles devendo decorrer a sistematização dos conteúdos, a definição dos objectivos e a selecção dos exercícios para ensinar e treinar esta modalidade desportiva.

    Dos momentos iniciais da prática do Futebol até aos mais elevados níveis, o jogo vai apresentando sucessivas configurações de referência, que uma vez racionalizadas permitem construir os designados modelos de jogo. Neste sentido, a modelação do jogo permite fazer emergir problemas, determinar os objectivos de aprendizagem e constatar os progressos dos praticantes. A partir das perspectivas de Garganta (1985) e Gréhaigne (1992), de acordo com os comportamentos revelados pelos jogadores e pelas equipas, apresentamos, em síntese, três modelos de jogo, correspondentes ao nível de evolução dos indicadores: estruturação do espaço, comunicação na acção e relação com a bola:

Modelo rudimentar

Jogo estático, não orientado, jogadores centrados sobre a bola, excesso de verbalização.

  • Os jogadores perseguem indiscriminadamente a bola, aglutinando-se em torno dela.
  • Dificuldades na relação com a bola (controlo, protecção, condução, etc.).
  • Utilização sistemática da visão para olhar a bola, indisponibilidade para "ler" o jogo.
  • Imobilismo dos jogadores sem bola e abuso da comunicação verbal.
  • A circulação da bola não é voluntária.
  • Sucessão de acções isoladas e explosivas sobre a bola.

Modelo Intermédio

Jogo estático, orientado, jogadores centrados sobre os passes.

  • Ocupação mais racional do espaço de jogo, embora pouco eficaz, porque estática.
  • Existência de blocos constituidos por jogadores estáticos que trocam a bola entre si.
  • Circulação da bola à periferia.
  • A visão (central e periférica) vai sendo progressivamente libertada para "ler" o jogo.
  • Todo o encadeamento de acções necessita de uma paragem (bola, jogador).
  • Pouca acutilância ofensiva.

Modelo Avançado

Jogo dinâmico, orientado, jogadores centrados sobre a finalização (golo).

  • Jogadores organizados em função de finalidades diferenciadas.
  • Acutilância ofensiva.
  • O portador da bola joga de cabeça levantada para "ler" o jogo.
  • Alternância do jogo em largura com o jogo em profundidade.
  • As acções são organizadas em função dos alvos (balizas).
  • As acções são encadeadas.
  • Privilegia-se a comunicação motora em detrimento da verbal e da gestual.


(3) Condicionantes pedagógicas

    Para abordar o ensino e o treino do Futebol, afigura-se necessário adequar as situações propostas à "linguagem motora" do praticante, de modo a possibilitar uma melhor transmissão e assimilação dos conteúdos específicos. Esta adequação deve acontecer para enriquecer a actividade, não desvirtuando aquilo que o jogo tem de essencial (Garganta & Pinto, 1994).

    As estratégias mais adequadas para ensinar o jogo passam por interessar o praticante, recorrendo a formas jogadas motivantes, implicando-o em situações problema que contenham os ingredientes fundamentais do jogo, isto é, presença da bola, oposição, cooperação, escolha e finalização. De acordo com este entendimento, não são de adoptar situações que preconizem a exercitação descontextualizada e analítica dos gestos técnicos (passe, remate, drible, etc.), dado que a execução assim realizada assume características diferentes daquela que ocorre no contexto aleatório do jogo. O jogo é uma unidade e, como tal, o domínio das diferentes técnicas (passe, condução, remate, etc.), revelado pelos praticantes, embora se constitua como um instrumento sem o qual é muito difícil jogar e impossível jogar bem, não permite necessariamente o acesso ao bom jogo.

    Para que o bom jogo possa acontecer com uma dinâmica que favoreça a evolução do indivíduo que joga, deve propôr-se ao praticante um jogo relativamente acessível, isto é, com regras simples, com menos jogadores e num espaço mais pequeno, de modo a permitir: a percepção das linhas de força do jogo (bola, terreno, adversários, colegas), muitos e diversificados contactos com a bola, a continuidade das acções e várias possibilidades de concretização.


Fases do ensino do Futebol

    O jogo de Futebol é uma realidade complexa porque o jogador tem que, a um tempo, relacionar-se com a bola e referenciar a sua situação no terreno de jogo, a posição dos colegas, dos adversários e das balizas. Devido a esta complexidade, impõe-se que o seu ensino seja gradual: do conhecido para o desconhecido, do fácil para o difícil, do menos para o mais complexo. Até chegar aos problemas do jogo formal, há que resolver um conjunto de situações passíveis de hierarquização, em função da estrutura dos elementos de jogo: jogador, bola, balizas, colegas e adversários.

    Considerando as posições anteriormente assumidas, somos apologistas dum ensino do Futebol referenciado a fases evolutivas, ou etapas, que permitam integrar tarefas e objectivos de complexidade crescente. Todavia, a necessidade de dividir o ensino em fases não deve conduzir à divisão do jogo em elementos (o passe, a condução da bola, o remate, etc.), mas antes à sua estruturação em unidades funcionais (Quadro 1).

Quadro 1 - Proposta de faseamento para o ensino do Futebol

 


    Numa primeira fase do ensino do Futebol, pretende-se que o praticante se familiarize com a bola, aprendendo a controlá-la e a apreciar as suas trajectórias.

    A relação jogador-bola, no nosso entender, deve ser construída com base em três preocupações fundamentais:

    (a) recorrer a situações/exercícios que apelem à utilização de diferentes superfícies corporais (pé, coxa, cabeça, peito, etc.), em contextos variáveis; (b) propôr situações que solicitem o equilíbrio corporal num só apoio e permitam controlar as trajectórias voluntariamente imprimidas à bola; (c) não descurar os aspectos perceptivos, para além da bola, isto é, não centrar exclusivamente a atenção na bola (espaço próprio), levando o praticante a estar progressivamente mais disponível para "ler" o que se passa à sua volta (espaço próximo).

    Na fase de construção da presença dos alvos, pretende-se que:

  1. no plano ofensivo, a evolução do nível de jogo conduza à finalização, alicerçada num equilíbrio cada vez mais claro entre o jogo directo e o jogo indirecto. Isto significa que os praticantes, embora sem perder de vista o objectivo do jogo, isto é, marcar golo, não devem jogar indiscriminadamente para a baliza, ou para a frente. Importa perceber que, em determinados momentos, pode ser importante jogar para trás ou lateralizar, no sentido de fazer oscilar os jogadores da equipa contrária e bem assim abrir espaços para jogar;
  2. do ponto de vista defensivo, pretende-se passar duma defesa amontoada junto da baliza para uma defesa estendida a todo o meio campo, quando não a todo o terreno.

Na fase de construção da presença do adversário pretende-se:

  1. no plano ofensivo, melhorar o controlo da bola, alargando o campo perceptivo do jogador, do espaço próximo ao espaço afastado; desenvolver a capacidade para a conquista e conservação da posse da bola, bem como a aptidão para o duelo;
  2. no plano defensivo, adoptar uma atitude defensiva básica, aprender a orientar os apoios e a enquadrar-se defensivamente, primeiro na marcação individual nominal (marca sempre o mesmo adversário), depois na marcação individual não nominal, de transição individual-zonal (marca sempre o adversário que estiver na sua zona).

    A fase 4 corresponde ao desenvolvimento da noção de cooperação, na sua relação com a aplicação dos princípios do jogo, e pretende-se:

  1. no plano ofensivo, passar do jogo a solo ao jogo combinado, partindo do jogo a 2, base dos jogos desportivos colectivos (Corbeau, 1988), que corresponde já a um alargamento das possibilidades de jogo e possibilitando o aparecimento de situações como a cobertura ofensiva e de combinações como o passa e vai (um-dois) e o passa e segue. Progressivamente, vai-se passando ao jogo a 3, no qual assumem particular importância a velocidade de execução, a criação de linhas de passe (em apoio e em rotura), as coberturas ofensivas, o jogo curto e o jogo longo;
  2. no plano defensivo, passar de um jogo em que os jogadores defendem muito afastados uns dos outros, a outro em que os jogadores encurtem as distâncias entre si, e defendam constituindo um bloco compacto, o que facilita a execução de coberturas defensivas e dobras, bem como a anulação das linhas de passe do adversário. A situação de jogo 3x3 revela-se como a estrutura mínima que garante a essência do jogo, na medida em que reúne o portador da bola e dois recebedores potenciais, permitindo passar duma escolha binária (conservo a bola ou passo-a ao meu colega) para uma escolha múltipla conservo a bola ou posso optar por passá-la ao colega 1 ou ao colega 2). Do ponto de vista defensivo, esta situação permite reunir um defensor directo ao portador da bola para realizar a contenção, e dois defensores relativamente mais afastados do portador da bola, para concretizarem eventuais coberturas, dobras e compensações, respeitando os restantes princípios defensivos: cobertura, equilíbrio e concentração.


As tarefas dos jogadores

    No ensino do Futebol, importa implementar regras de acção específicas que permitam melhorar objectivamente a qualidade do jogo. Para que essas regras sejam assimiladas, deverão as mesmas ser experimentadas e exercitadas quotidianamente, em situações de ensino e treino criadas para o efeito.

    Nos Quadros 2 e 3 (adap. Gréhaigne, 1992) exemplificamos algumas regras de acção que se afiguram importantes para que os jogadores e as equipas assegurem o cumprimento das finalidades e dos objectivos do jogo, nas suas diferentes fases. 

Quadro 2 - Regras de acção para melhorar a acção ofensiva 

Nível equipa

* Dispôr o número máximo de recebedores potenciais

* Canalizar o ataque pelos espaços mais vulneráveis do adversário

* Alternar jogo directo/indirecto e jogo curto/jogo longo

* Variar o ritmo de jogo

Nível jogador

# Criar linhas de passe ao portador da bola

# Movimentar-se afastando-se dos adversários

# Mascarar a direcção do passe

 

Quadro 3 - Regras de acção para melhorar a acção defensiva 

Nível equipa

* Possuir o número ideal de jogadores entre a bola e a baliza a defender

* Cobrir e reforçar permanentemente o eixo central do terreno (baliza-baliza)

* Enviar o ataque para a periferia (corredores laterais)

* Recuperar a bola nas zonas que nos garantam um ataque eficaz

Nível jogador

# Defender atrás da linha da bola

# Pressionar o portador da bola

# Fechar a linha de progressão do portador da bola para a baliza

# Demorar o ataque do adversário, particularmente quando se é o último defensor

# Obrigar o adversário a cometer erros, reduzindo-lhe o espaço e o tempo para jogar

# Anular as linhas de passe mais importantes


Construção das situações de ensino e treino

    A construção das situações de ensino e treino do Futebol, deve partir duma hierarquização dos requisitos para jogar, tendo em conta, por um lado aquilo que o praticante já conhece e é capaz de fazer, e, por outro, as aquisições fundamentais. Deste modo, a adaptabilidade deverá ser solicitada e estimulada em situações simultaneamente ajustadas ao nível de desenvolvimento do praticante e às exigências do jogo.

    Para que os princípios e as regras de gestão do jogo possam ser vivenciados e interiorizados, afigura-se aconselhável o recurso a um conjunto de variáveis de evolução, cuja utilização permite induzir transformações na configuração dos exercícios, bem como nos comportamentos e atitudes dos jogadores. Aqui referimos algumas dessas variáveis de evolução, de acordo com Gréhaigne (1992): 

 

    Em síntese, gostaríamos de reafirmar um conjunto de orientações para o ensino do Futebol.

  • O ensino do Futebol é o ensino do jogo e, como tal, a componente táctica ocupa uma posição nuclear no quadro das exigências da modalidade. Os demais factores (técnicos, físicos ou psíquicos), devem ser abordados de forma a poderem cooperar para facultarem o acesso a níveis tácticos cada vez mais elevados.
  • Deve assim cultivar-se no praticante de Futebol, e desde os primeiros momentos, uma atitude táctica permanente. Quando na posse da bola, o jogador necessita de utilizar a visão para as funções superiores de leitura do jogo (jogar de cabeça levantada).
  • O desenvolvimento da capacidade de controlo da bola exige a criação de condições de exercitação que passam pela necessidade do praticante efectuar contactos frequentes e diversificados com a bola, para que se verifique uma melhoria do nível de execução.
  • O desenvolvimento da extensão do campo perceptivo é um dos aspectos mais importantes na formação do jogador. Este deve saber jogar nos espaços próprio, próximo e afastado. Se o número de jogadores a referenciar num jogo fôr elevado e se a isso adicionarmos um terreno de jogo com grandes dimensões, a percepção das linhas de força do jogo torna-se mais complexa, dificultando o acesso a níveis de jogo superiores.
  • Ao nível do processo ofensivo, no caso dos principiantes, se as situações de ensino e treino do Futebol não propiciarem a criação de várias ocasiões de finalização, o jogador perde de vista o objectivo central do jogo (o golo) e fixa a sua actuação quase exclusivamente ao nível do jogo de transição, o que conduz a um uso e abuso do jogo indirecto em detrimento do jogo directo.
  • Ao nível do processo defensivo, sugerimos que nas fases iniciais da prática do Futebol, se utilize a defesa individual nominal. Nesta situação, cada jogador tem única e exclusivamente a responsabilidade de marcar o seu adversário directo. Quando o jogador já domina os princípios da marcação individual, somos apologistas da passagem para uma defesa do tipo individual não nominal (ou de transição individual-zonal). Esta situação é já mais complexa e requer que o defensor saiba regular a sua marcação tendo como referência não apenas o seu oponente directo mas também a posição da bola, dos colegas e dos outros adversários. Dentro deste tipo de defesa surgem as situações e noções de cobertura, dobra e compensação, tão importantes para o desenvolvimento do pensamento e atitude táctica do praticante.
  • A situação de jogo 3x3 revela-se como a estrutura mínima que garante a essência do jogo, na medida em que reúne o portador da bola e dois recebedores potenciais, permitindo passar duma escolha binária a uma escolha múltipla, preservando assim a noção importante de jogo sem bola. Do ponto de vista defensivo, reúne um defensor directo ao portador da bola (1° def.) para realizar a contenção e dois defensores (2° e 3°) relativamente mais afastados do portador da bola, para concretizarem eventuais coberturas, dobras e compensações, respeitando os restantes princípios defensivos: cobertura, equilíbrio e concentração.
  • As posições por nós sustentadas conduzem à ideia de que, no ensino do Futebol, deve propôr-se ao principiante um jogo acessível, isto é, com regras ajustadas, com número de jogadores e espaço adequados, de modo a permitir a continuidade das acções, o domínio perceptivo do espaço, uma frequente participação dos jogadores e variadas possibilidades de finalização.
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